Secretaria-geral

Evolução e situação actual dos Centros Escolares Republicanos

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Frutos da ideologia republicana e instrumentos da implantação e da consolidação do Regime Republicano, os Centros Escolares Republicanos perderam algum do seu sentido e das suas funções iniciais com a consolidação do novo regime. Por isso, muitos Centros (se não a maioria deles) tiveram vida efémera, tornando-se absolutamente dispensáveis enquanto meros agentes e elementos ideológicos de um poder já implantado e consolidado. Porém, muitos deles, implantados em bairros socialmente carenciados e muito deficientemente escolarizados continuaram a ter plena razão de existir, quer enquanto instituições privadas vocacionadas para a organização de cursos, tanto diurnos como nocturnos, quer enquanto corpos associativos com importantes funções culturais, sociais, recreativas, sociais e até desportivas.

Com efeito, quer na sua vertente escolar quer na sua vertente social, muitos dos velhos Centros Escolares Republicanos continuavam a ter uma forte razão de ser, pelo que alguns dos Centros resistiram décadas e décadas ao serviço da população dos bairros em que se localizavam. Por isso, poder-se-ia propor uma periodização desses Centros no decurso de quatro momentos históricos principais: um primeiro inerente ao período da sua origem, no período que acompanha a fundação do Partido Republicano (e que se encerra na entradas dos anos 80 do século XIX). Um segundo momento corresponde às três últimas décadas da Monarquia Constitucional, isto é, ao momento mais intenso da luta e da propaganda republicanas, que se encerra naturalmente com o 5 de Outubro de 1910. O período entre 1910 e o 28 de Maio de 1926 corresponde ao que poderíamos chamar de “época de ouro” dos Centros Escolares Republicanos, que beneficiam do apoio institucional do Regime e da adesão espontânea de amplas camadas populares. Enfim, com a instauração do Estado Novo emerge o momento mais difícil da sua história, com as dificuldades de toda a ordem com que passarão a ter que se deparar. Com efeito, na sua luta pela sobrevivência, tiveram que lutar em primeiro lugar com a morte e o desaparecimento de muitos dos sócios primitivos que, com o seu militantismo, o seu voluntarismo e a sua generosidade tinham constituído, organizado e equipado os Centros Escolares Republicanos. Num segundo momento, os Centros tiveram que lutar com a própria decadência do espírito associativo, causado por novas formas de sociabilidade, de convívio, de diversão e até de novos valores. A conjugação destes vectores foi estrangulando e esvaziando inegavelmente os velhos Centros.

Outro factor de decadência dos Centros foi provocado pela expansão e o triunfo da rede escolar pública. A criação de uma rede eficaz de escolas públicas, de frequência obrigatória, proporcionadoras de aprendizagens organizadas e creditadas em diplomas de apresentação obrigatória nas mais diversas situações pessoais e profissionais esvaziaram de sentido as velhas e nobres funções escolares dos Centros Escolares Republicanos. Estes tornaram-se perfeitamente dispensáveis enquanto entidades organizadoras de cursos do Ensino Primário, tendo sobrevivido, mesmo assim, cursos para adultos, assegurados por alguns Centros.

Por outro lado, a manutenção e a própria renovação dos Centros (e das suas próprias instalações) era cara, pelo que outra das causas de decadência dos Centros foi proporcionada pelas graves carências económicas que muitos tiveram que enfrentar. Com efeito, com os velhos sócios a desaparecerem aos poucos, instalados em bairros carenciados e privados de qualquer subsídio ou apoio financeiro oficial, os Centros sobreviviam à custa do voluntarismo e da “carolice” dos seus dirigentes e de um grupo cada vez mais pequeno de sócios, que se desdobravam em quotizações, em doações e em iniciativas financeiras muito modestas (peditórios, rifas, quermesses, etc.) visando o aumento das respectivas receitas.

À asfixia financeira há que acrescentar, muito provavelmente instigada por ela, a própria estagnação da vida de pelo menos alguns Centros. Incapazes de se renovarem, alguns Centros Escolares Republicanos irão perdendo a pouco o seu sentido em bairros e num contexto social em que tudo mudava. Vindos de outro tempo, portadores de outros valores, de outras motivações e de outros ideais, muitos dirigentes dos velhos Centros Escolares Republicanos não terão estado à altura das novas e cada vez mais exigentes solicitações impostas por um mundo que mudara. Assim, uma das maiores ameaças à manutenção digna e eficaz e à própria sobrevivência dos Centros terá sido o imobilismo e a incapacidade de renovação do ideário, dos objectivos e finalidades, das funções e até das instalações dos velhos Centros. Alguns ter-se-ão tornado, com o tempo e devido a carências e dificuldades de toda a ordem, em meras associações relativamente antiquadas e sobretudo desajustadas das novas necessidades sociais, culturais e recreativas, impostas pelos novos tempos.

Porém, uma das grandes - se não mesmo a maior - ameaças à continuidade da acção educativa dos Cursos foi proporcionada pelas infinitas dificuldades, ameaças e até perseguições provocadas pelas autoridades educativas e administrativas do Estado Novo. Com efeito, em época de Ditadura e de cerceamento das liberdades, tanto os velhos Centros Republicanos sobreviventes como os Centros Escolares, para lá das suas funções educativas “também desempenharam um papel importante como espaço de resistência política”, neles colaborando nomes como Fernando Lopes Graça (dirigente do Centro Republicano Académico de Coimbra nos anos 20 e 30 nota 1).

Assim se recuperava, agora ao serviço do combate contra o Estado Novo e os seus valores, a velha tradição de militantismo e de combate ideológico que tinham estado na base da criação, na organização e nos grandes objectivos dos velhos Centros Escolares Republicanos. Com efeito, um momento muito importante na história destes Centros ocorre após o 28 de Maio de 1926 e sobretudo depois da aprovação da Constituição de 1933. É a partir de então que se verifica “a abertura destas instituições à intervenção oposicionista, especialmente nos períodos de campanha eleitoral, disponibilizando as suas sedes para propaganda política. A célebre reunião fundadora do MUD, realizada na capital em 8-10-1945, decorreu na sede do Centro Escolar Republicano Almirante Reis. Em 28-1-1949 realizou-se no Centro Escolar Fernão Boto Machado, também de Lisboa, uma sessão eleitoral da candidatura presidencial de Norton de Matos. Ainda ligado a esta candidatura oposicionista, foi no Centro [Escolar] Republicano António José de Almeida que se realizou, a 7-2-1949, uma reunião geral dos serviços da campanha para decidir sobre a ida ou não às urnas. Os Centros [Escolares] Republicanos ganhavam desta forma um novo atributo, ao configurarem-se como lugares de sociabilização anti-salazarista” nota 2.

Na época do Estado Novo os Centros Escolares Republicanos instituíram-se em base de apoio para o conjunto dos oposicionistas, nomeadamente os que provinham dos velhos partidos e grupos republicanos. Tornaram-se uma importante plataforma de acção e luta do conjunto da Oposição Democrática contra o regime vigente, disponibilizando constantemente as suas instalações - tanto legal como clandestinamente – para acções, reuniões, encontros, comícios e outras formas de luta política. Consequentemente, os Centros sofrem a hostilização e mesmo a perseguição do Estado Novo. Com efeito, é nesta época que - à semelhança de muitos Centros Republicanos - muitos Centros Escolares são obrigados a encerrar as suas actividades e a extinguirem-se. Outros, pelo contrário, “recorreram à mudança de nome, adoptando designações relacionadas com as associações recreativas (como, por exemplo, a Sociedade de Instrução e Beneficência José Estêvão) para poderem sobreviver” nota 3.

Com efeito, os Centros Escolares Republicanos (bem como a própria Escola-Oficina N.º 1 e a generalidade das associações de inspiração política, democrática ou cívica) sofreram a hostilidade do regime instaurado e consolidado a partir de 1933. É a partir de então que termina a liberdade organizativa, curricular e pedagógica dos velhos Centros. Com efeito, aos
passa a ser imposto pelas autoridades um controle muito rígido, nomeadamente quanto aos modelos e aos planos curriculares, que passam a ser obrigatoriamente os oficias. Desaparecida a autonomia pedagógica, desaparecem consequentemente áreas curriculares e disciplinas que funcionavam tradicionalmente como complemento de formação extracurricular. Ora, muito do prestígio escolar e educativo dos velhos Centros decorria justamente do valor formativo e do carácter inovador e até experimental de algumas dessas áreas e actividades extracurriculares.

Enfim, o ataque integral a qualquer forma de autonomia pedagógica impôs mesmo a exigência oficial de substituição de algum material didáctico e de alguns dos equipamentos disponíveis. A própria determinação oficial, meramente administrativa, de que as escolas dos Centros só pudessem ser geridas por professores diplomados ocasionou a decadência da respectiva valência educativa. Enfim, a imposição oficial de obras de adaptação nas sedes e em particular nas próprias salas de aula inviabilizaram ou obrigaram muitos Centros ao encerramento voluntário ou coercivo.

Os últimos anos do Estado Novo encontraram a generalidade dos Centros então sobreviventes envoltos nas maiores dificuldades. Um exemplo particularmente triste é o do Centro Escolar Republicano Dr. António José de Almeida, que fora criado em 1906 mas que em 1971 se debatia com graves problemas jurídicos que punham em causa a sua própria existência legal. Com efeito, o Centro vira suspenso o Alvará passado pela Inspecção do Ensino Particular do Ministério da Educação Nacional no Ano lectivo de 1969/70. Aquela suspensão decorria da decisão da Direcção do Centro de interromper temporariamente os cursos legalmente autorizados devido à privação das suas instalações tradicionais, então ocorrida. Ora, a suspensão do Alvará impossibilitava, por sua vez, a legalização da compra de um andar (em Santo António dos Cavaleiros) para substituir as antigas instalações. Assim, visando a sobrevivência do Centro e a confirmação formal da sua própria “existência legal”, a respectiva Direcção dirige um Memorial, datado de 27 de Fevereiro de 1971, ao Governador Civil de Lisboa nota 4, a quem se pedia uma audiência no sentido de expor a sua grave e insólita situação legal. Dado o seu carácter exemplar, transcrevemos os seus dois primeiros parágrafos:

“O Centro Escolar Republicano Dr. António José de Almeida, instituição fundada em 1906 (com estatutos devidamente aprovados em 1918), tem dedicado praticamente toda a sua existência à causa da instrução popular, para o que tem mantido quase permanentemente uma escola primária para o ensino nocturno de adultos.

A escola, bem como as restantes instalações do centro, ocuparam durante várias décadas parte do edifício situado na Travessa da Nazaré, n.º 21. Porém, no princípio de 1970 viu-se o Centro forçado a desocupar as referidas instalações, em virtude de o imóvel ter sido adquirido pela Câmara Municipal de Lisboa, que por sua vez mandou, mediante a indemnização legal estabelecida, desalojar os inquilinos, por ter - segundo se crê - a intenção de utilizar o edifício para fins do seu interesse”.

Independentemente do desfecho deste caso, a verdade é que o 25 de Abril de 1974 encontrou muito poucos Centros em funcionamento. A institucionalização da rede pública e universal de ensino tornara-os dispensáveis enquanto entidades organizadoras de cursos do Ensino primário. Assim, a própria sobrevivência de um punhado muito restrito de Centros à hostilidade oficial manifestada durante mais de quarenta anos constitui um caso e um exemplo notáveis de resistência, de combatividade e de respeito pelas suas virtualidades tanto educativas como cívicas.

Aos Centros Escolares Republicanos está ligado o nome do médico Ramón de La Féria (1919-2003) Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano, conhecido por ser um histórico membro da Oposição Democrática ao Estado Novo. Tendo sido Presidente das Assembleias-Gerais de quase todos eles, Ramón de La Féria (1990-1993), na qualidade de militante, dinamizador e lutador incansável pela sua causa, foi o responsável para que fosse atribuída a Comenda da Liberdade a alguns dos Centros Escolares Republicanos sobreviventes. A ele se deve, com efeito o facto de um grupo de velhos e heróicos Centros Escolares Republicanos foram devidamente agraciados com a Comenda da Ordem da Liberdade, Grau Membro Honorário pelos poderes oficiais democráticos, na pessoa do então Presidente da República, Dr. Mário Soares, a 11 de Novembro de 1987, data de publicação do respectivo Alvará. Os Centros Escolares Republicanos então agraciados foram os seguintes:

    Centro Escolar Republicano Alberto Costa;

    Centro Escolar Republicano Alferes Malheiro;

    Centro Escolar Republicano Almirante Reis;

    Centro Escolar Republicano da Ajuda;

    Centro Escolar Republicano de Alcântara;

    Centro Escolar Republicano Fernão Boto Machado;

    Centro Escolar Republicano Magalhães Lima;

    Centro Escolar Republicano Tenente Valdez.


Foto da Comenda da Ordem da Liberdade, Grau Membro Honorário (Fotografia gentilmente cedida pelo Centro Escolar Republicano Almirante Reis)


nota 1  Daniel de Melo, “Centros Republicanos” in, Barreto e Mónica, Suplemento ao Dicionário de História de Portugal, Livraria Figueirinha, Porto, 1999, p. 292.

nota 2  Idem, ibidem, p. 292.

nota 3  Daniel de Melo, “Centros Republicanos” in, Barreto e Mónica, Suplemento ao Dicionário de História de Portugal, Livraria Figueirinha, Porto, 1999, p. 292.

nota 4  Arquivo do Governo Civil de Lisboa - “Memorial” da Direcção do Centro Escolar Republicano Dr. António José de Almeida ao Governador Civil de Lisboa, informando das dificuldades legais então vividas por aquele Centro e pedindo uma audiência, “a fim de mais detalhadamente esclarecer a situação exposta neste memorial”; Lisboa, 27-2-1971.

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