1. Que imagem guarda V. Exa. da sua passagem pelo Ministério da Educação? Foram cinco anos muito interessantes e que jamais esquecerei. As equipas que integrei e constituí funcionaram muito bem quer na actuação quer na relação humana, e isso é sempre fundamental. O Ministério da Educação é um mundo difícil e muito complexo. Há permanentemente grandes contradições. Há dois ou três aspectos que me permito destacar pela positiva. Antes do mais, o programa de lançamento da educação pré-escolar, que constituiu um sucesso, reconhecido internacionalmente. É aquilo de que mais me orgulho e que foi possível graças à grande determinação do Engº António Guterres e do Prof. Eduardo Marçal Grilo. Por outro lado, o programa Nónio-Século XXI, assim baptizado em homenagem ao grande matemático Pedro Nunes, permitiu um salto qualitativo nas novas tecnologias de informação e comunicação nas escolas, graças a uma excelente colaboração com o Prof. Mariano Gago. Refiro ainda o programa de lançamento das bibliotecas escolares, com a Drª Teresa Calçada, que constituiu igualmente um assinalável progresso com resultados muito positivos. 2. Durante o seu mandato, qual a visão de V. Exa. para o Sistema Educativo? Não gosto de falar do “sistema educativo” como realidade abstracta. Prefiro falar de escolas e de pessoas da educação. Há, infelizmente, uma visão muito errada sobre a evolução educativa em Portugal nos últimos trinta anos. Houve progressos muito significativos ― não podemos esquecer que em 1974 tínhamos 25% de analfabetos, número inimaginável na Europa. Durante os últimos trinta anos tivemos de travar a difícil batalha da escolarização, com recrutamento de professores e construção de escolas. Recordo que foi no período em que estive no Ministério que se concretizou o programa das “escolas completas”, em lugar das “fábricas de aulas” e que se atingiu a completa escolarização nos 15 anos de idade… Acontece, porém, que os nossos parceiros europeus também avançaram e o conhecimento progrediu imenso. Daí que hoje o grande desafio seja o da qualidade, da avaliação, da exigência e da disciplina. Temos de trabalhar muito mais. Temos de encontrar caminhos que nos permitam recuperar os atrasos terríveis que persistem, tendo em mente políticas de “inclusão social” que sejam compatíveis com a qualificação ― e que combatam a mediocridade… 3. Que reformas gostaria de ter promovido e não promoveu? Sou muito realista e descreio das “reformas estruturais” feitas de supetão. Acredito no gradualismo e num trabalho permanente e persistente. Tudo o que pensava e o que defendo contribuiu para o meu trabalho no Ministério da Educação. O que ficou por fazer? Muitíssimo. Quando deixei o Ministério, por ter sido encarregue de funções de coordenação política no Governo, defini como primeira prioridade o alargamento do ensino profissional no secundário. Com cerca de 10% de frequência das escolas profissionais e sem a regra de uma certificação profissional no 12º ano, estamos muito longe dos 40% desejáveis, que a Europa tem. Hoje, o programa “Novas Oportunidades” pegou nessa prioridade. Esse é o trabalho imediato que o País tem para realizar em articulação estreita com o sistema de formação profissional e com um sistema de educação de adultos e de certificação de competências adquiridas (merece aqui referência o excelente trabalho realizado pela ANEFA). Vejo com agrado que há grande atenção ao tema - com influência decisiva na valorização quer do ensino básico, quer do ensino superior. 4. As reformas que na altura entendeu por bem promover depararam com que tipo de dificuldades? As resistências na Educação são sempre muito grandes e evidentes. Estamos a falar da sociedade em “carne viva” e de problemas inesperados. Lidamos sempre com a incerteza e o futuro. Lembro-me da resistência à introdução dos exames do 12º ano ou das reservas postas pelas organizações de professores à participação dos pais na gestão e administração das escolas… Felizmente, que foi possível chegar nesses dois aspectos ao que se desejava… Qualquer reforma na Educação é sempre demorada e tem de contar com as resistências. É preciso, por isso, falar só quando as coisas estão para se realizar. No caso da autonomia das escolas, por exemplo, todos a defendem em palavras, mas poucos querem assumir as responsabilidades que ela exige… Essa contradição é permanente e temos sempre de contar com ela. Eis por que razão a determinação é fundamental. 5. Quais as mudanças significativas que se verificaram durante o mandato de V. Exa.? Já o referi: o programa de educação pré-escolar, a criação da rede das bibliotecas escolares, o programa Nónio-Século XXI, o lançamento de uma nova fase do ensino profissional e uma melhor articulação entre o Ministério da Educação e o sector da Formação Profissional ― são os pontos mais importantes do caminho gradualista em que participei. Nada disto teria sido possível sem o funcionamento de uma estreita ligação com o Primeiro-Ministro Engº António Guterres, que criou condições únicas para a valorização da Educação, e com o Prof. Eduardo Marçal Grilo, meu amigo e mestre… 6. Que outro ou outros temas, não contemplados nas perguntas anteriores, gostaria de abordar ? Gostaria de terminar dizendo que tive ainda especial gosto, honra e orgulho em exercer as funções de Presidente do Conselho de Ministros da Educação da União Europeia no momento em que se adoptou a Estratégia de Lisboa em Março de 2000. Foi um momento único em que, pela primeira vez, a Educação teve um reconhecimento de primeiro plano na acção da União Europeia com respeito pela subsidiariedade. Permito-me salientar o papel desempenhado pelos meus colegas David Blunkett e Tessa Blackstone, bem como de Ségolène Royal que compreenderam muito bem a prioridade do tema e foram decisivos para que o Conselho de Ministros da Educação tenha dado o seu acordo à Estratégia de Lisboa - o que não foi fácil e exigiu um longo e laborioso trabalho já que não havia uma prática de protagonismo europeu na área educativa. Tratou-se de reconhecer que a aprendizagem é, com todas as suas consequências, o factor fundamental que distingue o desenvolvimento humano. (*) Na qualidade de anterior Ministro da Educação, respondendo ao questionário que foi proposto pela Secretaria-Geral do Ministério da Educação, no âmbito da 4ª fase do Projecto “Quatro Décadas de Educação (1963-2005)” |