Secretaria-geral

Entrevista/Testemunho

1. Que imagem guarda V. Exa. da sua passagem pelo Ministério da Educação?

    R: Lançando um olhar sobre a minha passagem pelo Ministério da Educação, à distância de cerca de quarenta anos, penso que essa passagem não terá sido inútil. Realizei tudo quanto as circunstâncias permitiram fazer. Aproveitei dos meus antecessores o muito que era de aproveitar, mas também abri novos sulcos, rasguei novos horizontes, fiz penetrar no Ministério toda uma lufada de ar moderno, na expressão do insuspeito Rómulo de Carvalho (História do Ensino em Portugal, pág. 799, ed. de 1986 e reed. de 1996).


2. Durante o seu mandato, qual a visão de V. Exa. para o Sistema Educativo?

    R: A minha visão do Sistema Educativo está consubstanciada no meu projecto de Estatuto da Educação Nacional, que aperfeiçoei ao longo de três versões e que na sua forma definitiva compreende 372 artigos, distribuídos por onze títulos e antecedidos de um preâmbulo onde se podem ler mais detidas considerações sobre o respectivo conteúdo.

     
3. Que reformas gostaria de ter promovido e não promoveu ?

    R: Era meu desejo e meu propósito dar força legislativa a esse projecto.
    Para isso haveria que convertê-lo, formalmente, em proposta de lei e submeter essa proposta à Assembleia Nacional, que sobre ela teria de ouvir a Câmara Corporativa. Não houve tempo para promover tais diligências, por natureza demoradas, e aguardar o seu desfecho, porque entretanto chegou a hora de me retirar (como vinha pedindo) e passar o testemunho a outro.

     
4. As reformas que na altura entendeu por bem promover depararam com que tipo de dificuldades?

    R: O Presidente do Conselho interessou-se grandemente pela elaboração do Estatuto a que me venho referindo. Falámos muitas vezes sobre ele nas nossas reuniões de despacho, em regra mensais. Ultimado o projecto, examinou-o atentamente e disse considerá-lo trabalho do mais alto interesse e valor. O Estatuto acha-se publicado, como projecto, em livro próprio.


5. Quais as mudanças significativas que se verificaram durante o mandato de V. Exa.?

    R: Promovi e levei a cabo todas as reformas que desejei fazer. Há que ressalvar, evidentemente, o Estatuto da Educação Nacional, que seria a mais importante, visto consubstanciar a reforma geral do sistema educativo, mas que não chegou ao seu último termo pelas razões apontadas.
    Exceptuando o Estatuto, que apenas deparou com um problema de tempo para sua ultimação final, nenhuma das outras reformas que empreendi enfrentou qualquer espécie de dificuldade.

     
6. Que outro ou outros temas, não contemplados nas perguntas anteriores, gostaria de abordar?

    R: Aumentei a escolaridade obrigatória, fazendo-a subir dos quatro anos, em que estava quando tomei conta da pasta, para seis, imprimindo-lhe pois um acréscimo de cinquenta por cento. Norteou-me a firme preocupação de tornar realidade efectiva esse significativo aumento, não o deixando ficar no papel, como na realidade não ficou.

    6.1 Mantive a instrução primária com quatro anos, obrigatórios. Os outros dois anos, que também tornei obrigatórios, foram os dois primeiros do ensino secundário. Deu-se a esses dois primeiros anos, um pouco convencionalmente, a designação de ciclo complementar. Este ciclo bianual, subsequente à instrução primária, e também compulsivo, era comum ao ensino liceal e ao ensino técnico (num e noutro com as mesmas disciplinas), de tal modo que, verdadeiramente, esta distinção de ramos passou a existir só depois de cumpridos os seis anos de escolaridade obrigatória, os quatro da instrução primária a os dois do ciclo complementar. Ao contrário do que antes acontecia, só após o termo, com êxito, dessa caminhada de seis anos é que o aluno, se queria prosseguir estudos, tinha de optar pela via do ensino liceal ou pela via do ensino técnico. Foi um importante passo na caminhada da escolaridade obrigatória, que depois disso tem sido ampliada, mas que começa hoje a suscitar dúvidas sobre se devia ter ido tão longe ou, pelo menos, se não devia parar onde está.

    6.2. Por outro lado, entendeu-se que a criação a unificação do ensino complementar teria de ser acompanhada de um forte esforço de disseminação das respectivas unidades escolares. Aconteceu que acabou por ser satisfeito o meu vivo desejo de ver alargados ao Ministério da Educação os Planos de Fomento: primeiro, o Plano Intercalar para o triénio de 1965-1967; depois, o III Plano para o sexénio de 1968 a 1973, este último com um caudal financeiro particularmente abundante.

    6.3. A integração do Ministério da Educação nos planos de Fomento tornou possível intensificar ainda mais o alargamento da rede escolar, nomeadamente no tocante às unidades de frequência obrigatória. E também tornou possível virar a atenção para as preocupações de orientação pedagógica. Durante largos meses trabalhou-se entusiasticamente neste duplo objectivo de ampliação da rede escolar a de formação de professores, não apenas sob o ponto de vista quantitativo mas também, e sobretudo, qualitativo. Participei pessoalmente, como sempre, nesses trabalhos, sendo de elementar justiça pôr em evidência a inteligente e entusiástica cooperação dos funcionários do Ministério, Dr. Fernando Teixeira de Matos e Dr. Tavares Emídio. Todo este esforço culminou com a publicação do Decreto-Lei n.° 47/480, de 2 de Janeiro de 1967. Os respectivos Estatutos e programas, que deixei ultimados, só acabaram por sair, mercê da sua grande extensão, no jornal oficial de 9 de Setembro de 1968.

    6.4. Julgo oportuno fazer aqui uma referência à Telescola. Cedo se radicou no meu espírito a convicção, que já possuía, do altíssimo valor dos meios audiovisuais no fomento do ensino e da cultura. Após algumas experiências esclarecedoras, deu-se em 31 de Dezembro de 1964 um passo decisivo com a criação do Instituto de Meios Áudio-Visuais do Ensino (IMAVE) e da Telescola, nele integrada. Os resultados foram extremamente positivos. Os docentes eram recrutados entre os mais qualificados. As lições, cuidadosamente preparadas, tinham ao seu serviço os mais perfeitos instrumentos didácticos. A Telescola levou o ensino aos mais recônditos lugares, evitando que muitas crianças ficassem sem ensino ou tivessem de se sujeitar a longas e penosas caminhadas. Para evitar o marasmo, a Telescola foi sendo adaptada às novas circunstâncias. Constituiu grave erro a sua extinção. É devida aqui uma palavra de justiça à memória do Dr. António Carlos Leónidas, que nomeei Presidente do IMAVE. A Telescola era como que uma grande sala de aula que tinha como paredes as fronteiras de Portugal.

    6.5. Outra iniciativa que considero ter sido muito útil foi a criação do Gabinete de Estudos e Planeamento da Acção Educativa (GEPAE), incumbido de estudar, de forma permanente, os problemas relacionados com a educação e propor as correspondentes soluções, em conformidade com a evolução das circunstancias. O GEPAE desempenhou importante papel, por todos reconhecido, tendo criado nomeadamente um importante Centro de Documentação Pedagógica e tendo, duma maneira geral, contribuído de forma notável para a elaboração e difusão dos princípios das ciências da educação. Foi, ainda, fértil sementeira de dirigentes e operadores educacionais, dentre os quais saíram, inclusive, alguns Ministros da Educação no pós-25 de Abril.

    6.6. A década de 60, em que fui Ministro, é marcada pelo início de um forte crescimento do ensino superior, a par de cíclicas crises académicas. Esses factos estavam bem presentes no nosso espírito e constituíam nossa constante preocupação. Vinham, aliás, ao encontro de um dos nossos objectivos primordiais - a generalização ou, se se quiser, a democratização do ensino, termos estes que preferimos, decididamente, a palavra massificação, que sugere um vasto e amorfo corpo cinzento, onde a individualidade a personalidade dos alunos se diluiriam e perderiam.

    6.7. As respostas para estes desafios estavam preparadas e em marcha. No nosso tempo, nenhum aluno deixou de ser admitido ao ensino por falta de instalações ou de professores, e os mais carecidos ainda beneficiavam das facilidades postas à sua disposição pelos serviços sociais escolares. Em relação ao futuro tudo estava acautelado, quanto à previsão do aumento da população escolar, quanto à formação do pessoal docente, quanto à construção, ampliação, melhoramento e apetrechamento de instalações, e quanto à assistência a dar aos alunos. Por isso se ultimou o chamado "Projecto Regional do Mediterrâneo" e se incumbiu o GEPAE de o actualizar constantemente e constantemente se manter atento à elaboração ou adaptação dos planos exigida por essa actualização. Por isso também, como já atrás foi referido, se fez uma concreta e pormenorizada planificação das acções a empreender com os dinheiros advindos do III Plano de Fomento (1).

    6.8. Devo esclarecer que, quando fui contactado pelo Presidente do Conselho para assumir a pasta da Educação, comecei por recusar, porque esse cargo iria interromper a minha actividade de professor e jurisconsulto e, nomeadamente, a intervenção que vinha tendo na preparação, então em curso, do novo Código Civil. Cheguei mesmo a sugerir alguns nomes. O Doutor Salazar disse que ia ponderar esta minha sugestão; mas, passado algum tempo, disse-me ter-se convencido de que a pessoa realmente indicada era eu e pediu-me que aceitasse o sacrifício que eu alegava, convicta e justificadamente, representar a aquiescência ao convite formulado. Acabei por dar essa aquiescência, pois me capacitei de que também poderia servir o interesse público, e até talvez mais, neste outro posto, a que, uma vez tomada a decisão, me entreguei de alma e coração e cujo exercício me apaixonou.

    6.9. Fiz, no entanto, questão de salientar que agiria sempre como independente, e assim procedi. Nunca estive filiado na União Nacional nem participei nos seus congressos ou manifestações. Nunca fiz depender de informações políticas, mas do mérito das pessoas, as nomeações ou o exercício das actividades que dependessem do meu Ministério.

    (1) Há que acrescentar uma referência a actividades semelhantes de planificação que, pela sua natureza, se desenvolviam separadamente. Referimo-nos à criação do Plano de Fomento do Desporto e à elaboração do I Plano de iniciativas alimentados pelo dinheiro que cabia no Ministério da Educação, por força do chamado Totobola.

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