À distância, e sem recurso a quaisquer documentos ou notas, o meu testemunho terá naturalmente um carácter impressionista e, seguramente, esquecer-me-ei de "coisas" relevantes que se passaram há mais de 20 anos e tanto mais quanto tenho estado afastado do Sistema Educativo. 1. Que imagem guarda V. Exa. da sua passagem pelo Ministério da Educação? 2. Durante o seu mandato, qual a visão de V. Exa. para o Sistema Educativo? Entre 1979 e 1987 passei por quatro vezes pelos gabinetes do Ministério: * Chefe de Gabinete do Ministro Lloyd Braga (Governo Nobre da Costa) – 1979; * Secretário de Estado da Educação e Administração Escolar (Ministro Fraústo da Silva, Governo Francisco Balsemão) – 1982/ 83; * Ministro da Educação (Governo do Bloco Central) – 1985; * Ministro da Educação e Cultura (1º Governo Cavaco Silva) – 1985/ 87; Em todos os casos a nota dominante foi o entusiasmo e capacidade das chefias do Ministério face à escassez de meios humanos e materiais para fazer face a um sistema educativo em forte expansão (taxas anuais de crescimento da ordem dos 7-10%) e, em simultâneo, a necessitar de ser adoptado/ reformado face às novas exigências que se evidenciavam ou anunciavam. Abrir o ano lectivo a tempo e horas com os docentes e equipamentos requeridos era um "milagre" anual que acontecia graças a uma programação de tarefas e objectivos (ao dia e, às vezes, à hora), a uma pressão fortíssima sobre os fornecedores e, sobretudo, à dedicação sem limites e grande capacidade das chefias e funcionários do Ministério. Acrescenta-se a esse "milagre" a determinação em pró-activamente fazer crescer rapidamente o ensino pré-escolar e o ensino superior politécnico e ter-se-á uma noção breve e muito limitada de uma luta diária e titânica para que o sistema funcionasse e, mais que isso, melhorasse. 3. Que reformas gostaria de ter promovido e não promoveu? 4. As reformas que na altura entendeu por bem promover depararam com que tipo de dificuldades? 5. Quais as mudanças significativas que se verificaram durante o mandato de V. Exa.? A necessidade de uma reforma profunda do Sistema Educativo tornou-se para mim evidente desde a minha passagem pelo Ministério da Educação como Secretário de Estado em 1982. Não será, pois, de espantar que, como Ministro, e com a preciosa ajuda da equipa que me acompanhava – Dr. António Almeida e Costa, Prof. Virgílio Meira Soares e Dr. Fernando Simões Alberto – haja decidido empreender essa mesma reforma. Para tal foi nomeada uma Comissão que integrava personalidades dos diversos graus de ensino, de base geográfica diversificada e que, curiosamente, integrava diferentes sensibilidades políticas. Esta Comissão produziu um trabalho que considero notável e que, ainda hoje, é a melhor base que conheço para uma reforma séria e global do nosso Sistema Educativo. (Os textos e propostas foram editados pelo Ministério e estão disponíveis para quem esteja interessado.) A mesma Comissão promoveu debates sobre as suas propostas em múltiplos pontos do país, envolvendo docentes, pais e simples interessados na temática e, ouso dizer, com reacções extremamente positivas e, mesmo, entusiasmantes. Extravasava largamente a simples reforma curricular, para incorporar a chamada educação no sentido mais lato, envolvendo aspectos como artes, espectáculos, desporto, informática, cuidar da escola, envolvente ambiental e cultural, enfim, um conjunto de valências que pressupunham o permanecer na Escola a maior parte do dia e a utilização de capacidades existentes no meio para desenvolver múltiplas actividades formativas. A "escola cultural" como lhe chamou o Prof. Manuel Patrício era uma chave de mudança, de mobilização, um salto qualitativo na educação dos nossos jovens. Insisto em que valerá a pena rever os trabalhos dessa Comissão para a Reforma do Sistema Educativo para se perceber como aquela dezena de individualidades que a compunham fizeram um trabalho único e abrangente que merecia ser recuperado. De menor dimensão, mas não de menor alcance foi o lançamento do Projecto Minerva que se destinava a levar à Escola (a partir da Primária) a O trabalho assente nos professores Dias Figueiredo (Universidade de Coimbra) e Altamiro Machado (Universidade do Minho) foi-se desenvolvendo com resultados inequivocamente positivos e uma adesão entusiasta das escolas onde foi iniciado, mostrando que a ideia merecia ser expandida a todo o Sistema uma vez disponíveis os "eternos" meios humanos e materiais indispensáveis. Sublinha-se ainda a grande preocupação em redinamizar os chamados ensino técnico e politécnico, tendo-se criado incentivos fortes à opção tecnico-profissionalizante no Ensino Secundário, sem prejuízo (antes pelo contrário) do eventual prosseguimento de estudos. Criaram-se ainda 18 estabelecimentos politécnicos, especialmente nas áreas da Tecnologia e Gestão e incentivou-se a ligação entre o Sistema Universitário e o Sistema Politécnico de forma a maximizar os recursos (escassos) então disponíveis. Face à heterogeneidade de situações, organizou-se pela primeira vez o financiamento do Ensino Superior com base em critérios objectivos e com a tendência para que os gastos com pessoal não pudessem ultrapassar 80% do orçamento proveniente do Ministério, incentivando-se em simultâneo, o crescimento das receitas próprias dos estabelecimentos de Ensino Superior. 6. Que outro ou outros temas, não contemplados nas perguntas anteriores, gostaria de abordar ? Referirei apenas a grande interacção com os Sindicatos de Professores, numa dialéctica intensa orientada para a salvaguarda das condições de carreira docente em favor dos estudantes. Aliás, o foco no estudante foi sempre a dominante da acção que desenvolvi enquanto Ministro da Educação. |