Secretaria-geral

Entrevista/Testemunho

1. Que imagem guarda V. Exa. da sua passagem pelo Ministério da Educação?

Não guardo nenhuma imagem especial digna de referência. Foi mais uma função pública que desempenhei, entre várias outras, mas que não desejei (recusei dois convites anteriores) e que só aceitei por insistência do Dr. Francisco Balsemão, Primeiro-Ministro na época, pessoa que eu estimava e respeitava e de quem continuo amigo até hoje. Tratava-se de uma remodelação ministerial de um Governo fragilizado, que só se manteve mais um ano, metade do qual em funções de gestão. Independente, como sempre fui, acabei por aceitar o cargo após dois dias de pressão, com a condição de escolher os meus Secretários e Subsecretários de Estado, também independentes na altura (o Prof. João de Deus Pinheiro, filiou-se mais tarde no PSD).

O Governo remodelado tomou posse e logo a seguir estive à beira de me demitir em virtude do discurso, que considerei infeliz, proferido na cerimónia pelo Sr. Presidente da República, Sr. General Ramalho Eanes, a quem tinha apoiado, publicamente, duas vezes. Estive alguns dias sem entrar no Ministério e só não fui avante com o pedido de demissão para não agravar a crise já existente por motivos pessoais.

Uma vez em funções fiz o que entendia necessário, adequado e correcto, com algumas dificuldades pelo meio, como por exemplo a recusa de preenchimento de três lugares importantes de Director-Geral com as pessoas que sugeri porque dois deles foram considerados “afectos” ao partido socialista ... Como resultado não nomeei nenhum e a equipa fez o que foi possível sem três Directores-Gerais. A meio do mandato (de 1 ano) tive também que dirimir o desentendimento entre um Secretário de Estado (Prof. João de Deus Pinheiro) e um dos Subsecretários de Estado (Dr. Santana Castilho), que mais tarde veio também a sair por imposição superior mas que eu não tinha condições de manter dadas as suas manifestações públicas muito críticas.

Deixando de lado estas e outras contrariedades, como as relativas à aprovação do orçamento do Ministério, que não foi fácil, restam os aspectos positivos – o reencontro com Técnicos de grande competência que já conhecia da minha permanência no GEPAE, depois GEP, e de novos colaboradores a vários níveis com os quais foi possível constituir uma equipa motivada e empenhada com uma produtividade excepcional. Fiz muitos e bons amigos, que recordo com saudade, e todos levámos a bom fim a nossa missão – serviço público, não serviço político. Exactamente no fim do mandato, defendi na OCDE, em Paris, o Exame à Política Portuguesa de Educação (em cuja preparação tive a preciosa ajuda do meu amigo Dr. Manuel Tavares Emídio, Director-Geral do Ensino Básico com Veiga Simão) com mais um “presente”: iniciei a defesa num dia como Ministro e conclui-a no dia seguinte já sem o ser, pois o Sr. Presidente da República marcou a posse do novo Governo saído das eleições exactamente para esse dia ... Comentários para quê ? Mas foi, de facto, um “presente” porque, professor como era, dei o melhor na minha “performance” (talvez picado pelas circunstâncias) e fui aplaudido de pé por todos os Ministros da Educação e demais componentes das missões dos vinte países representados na OCDE, e ali mesmo convidado publicamente pelo Director-Geral da Organização a dirigir o exame seguinte das Políticas Educativas Nacionais, que recaiu sobre a Espanha.


2. Durante o seu mandato, qual a visão de V. Exa. para o Sistema Educativo?

A minha visão do sistema educativo não decorreu do meu mandato nem se alterou durante o mesmo, que apenas confirmou aspectos que sabia, ou presumia, existirem dada a experiência adquirida na colaboração directa com anteriores Ministros da Educação, o Prof. Veiga Simão em particular, mas de que não tinha vivência pessoal. Uma delas, razão da minha relutância em aceitar cargos ministeriais, é a eventual intromissão partidária em decisões baseadas na competência como a escolha de dirigentes, ou de carácter técnico, como a localização de escolas. Outra, mais normal e compreensível, é a dificuldade em fazer valer os nossos argumentos junto dos nossos pares ao nível do Conselho de Ministros, que lutam também pelos projectos e necessidades das suas áreas. Todos são importantes, mas nem sempre se reconhece que todos são interdependentes no que é, de facto, um sistema dinâmico e não um conjunto de componentes isolados, pelo que quando os recursos são limitados é difícil chegar a consensos na definição de prioridades.


3. Que reformas gostaria de ter promovido e não promoveu?

Nas condições em que fui convidado e exerci o mandato durante um escasso ano não havia condições para promover reformas de fundo. O que era urgente era resolver problemas pendentes, melhorar algumas situações, atender às carências e deficiências e dar andamento a questões que requerem a intervenção do Ministério, sem prejuízo de iniciar alguns projectos que se consideravam pertinentes. A maioria das medidas referidas na síntese relativa aos anos de 1982 e 1983 correspondem, assim, a decisões de rotina de carácter pontual.


4. As reformas que na altura entendeu por bem promover depararam com que tipo de dificuldades?

Pelas razões já referidas não foram promovidas reformas, pelo que também não houve dificuldades relativas às mesmas. No que se refere a projectos que se podem incluir na designação de reformas o que considero, pessoalmente, mais significativo foi talvez a reforma do ensino artístico que se levou a efeito em estreita colaboração com as instituições existentes, designadamente o Conservatório Nacional, a ponto de designar um assessor, o Dr. Caldeira Cabral, para trabalhar directamente com estas e traduzir em termos jurídicos as suas aspirações fundamentadas, e o Prof. Doutor Alberto Ralha para coordenar todo o processo. Não houve, que me recorde, dificuldades de maior, o processo avançou, foi aprovado e creio que estamos hoje a colher os seus frutos.

Outro projecto, a criação da Televisão educativa, também avançou, com alguma troca de opiniões na comunicação social sobre aspectos parcelares associados à programação (que não estava definida a priori), e foi aprovada em Conselho de Ministros. Ficou por aí e nenhum outro Governo retomou o assunto, tanto quanto eu saiba.


5. Quais as mudanças significativas que se verificaram durante o mandato de V. Exa.?

Entre as múltiplas medidas tomadas, apesar de tudo, durante um ano de trabalho intensivo, é difícil, a esta distância, escolher o que pode ter sido ou não significativo. De qualquer forma, para além da reforma do ensino artístico, já referida, recordo algumas disposições relativas ao reconhecimento de doutoramentos obtidos no estrangeiro e um despacho interpretativo do conceito de dedicação exclusiva que permitiu os primeiros contratos de colaboração Universidade-Indústria, bem como o aumento substancial (100%?) das verbas dedicadas à investigação científica nas Universidades. Não tenho dúvida de que tenham sido medidas com resultados significativos , mas houve outras referidas na síntese, como sejam a criação de escolas e jardins de infância, a criação de alguns cursos como a engenharia informática, normas sobre os preços dos manuais escolares, alargamento de quadros de pessoal, normas para os estudantes-trabalhadores, etc. que os eventuais destinatários estarão hoje em melhor posição de avaliar. De assinalar também as boas relações de trabalho que foi possível estabelecer com os Sindicatos de Professores, que alguns anos mais tarde, 1987-88, me deram uma preciosa ajuda na discussão, com alguns milhares de professores, do relatório sobre a reorganização curricular dos ensinos básico e secundário, que preparei com o Prof. Marçal Grilo, Engº Roberto Carneiro e Dr. Tavares Emídio.


6. Que outro ou outros temas, não contemplados nas perguntas anteriores, gostaria de abordar ?

Não creio que haja outros temas a abordar numa entrevista específica centrada sobre a minha passagem pelo Ministério da Educação. O termo “passagem” é perfeitamente adequado. Não foi mais do que isso, embora grande parte da minha vida e actividade tenha estado ligada à educação, às políticas da educação dentro e fora de Portugal e a algumas reformas e projectos importantes no mesmo domínio. Creio que fiz ou ajudei a fazer muitas coisas, mas as maiores e mais significativas contribuições que dei não foram como Ministro e sim antes e depois de o ter sido (ou ter estado como ...). Foi, de qualquer modo, um trabalho muito gratificante em termos pessoais, pela sua natureza e pelos grandes amigos e colaboradores que granjeei.

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