1. Que imagem guarda V. Exa. da sua passagem pelo Ministério da Educação? A imagem mais positiva é a de um ambiente de solidariedade e cooperação, que retive do trabalho com os gabinetes do Ministério, das visitas às escolas e dos encontros com professores que, pelo país inteiro, procuram educar as crianças de Portugal, com dignidade e dedicação. Esta memória está tanto mais presente quanto se tem consolidado uma outra: a de uma estrutura sem cultura de descentralização, tanto nos departamentos centrais como nos regionais, a clamar por profundas mudanças estruturais. Mantenho, ainda, o registo de múltiplos constrangimentos a uma acção política estratégica, que exige tempo e paciência para produzir efeitos. Em resumo, guardo uma imagem de uma organização que, apesar do trabalho, da competência e da dedicação de muitos dos seus servidores, está desadequada para o que a governação da Educação hoje exige. 2. Durante o seu mandato, qual a visão de V. Exa. para o Sistema Educativo? A visão de um sistema educativo que responda ao País desigual, diversificado nas condições de vida dos seus cidadãos, que tem de fazer da Educação um dos seus mais fundamentais instrumentos de desenvolvimento. Assim, entendia-se ser prioritário transferir responsabilidades para as autarquias e as organizações educativas, revendo profundamente a estrutura do Ministério da Educação e cumprindo as orientações gerais do Programa de Governo. 3. Que reformas gostaria de ter promovido e não promoveu? Uma rotura no modelo organizacional do Ministério, a Reorganização Curricular da Educação Básica e a Revisão Curricular do Ensino Secundário. As mudanças associadas à Declaração de Bolonha e o lançamento das bases para mudanças profundas no governo do Ensino Superior. Um programa e medidas de monitorização e avaliação daquelas reformas, do sistema e das instituições educativas. Note-se que assumimos responsabilidades no Ministério a meio de uma legislatura e interrompemos o trabalho em resultado da convocação de eleições antecipadas. 4. As reformas que na altura entendeu por bem promover depararam com que tipo de dificuldades? Na Educação Básica e Secundária era evidente que não se poderiam concretizar certas reformas sem concretizar a transferência de competências para as autarquias, acompanhada dos correspondentes meios e sem estabilizar as equipas de docentes das escolas. O modelo centralizado de governação da educação, clamando por transferência efectiva de competências para autarquias e escolas, bem como pela consolidação da autonomia das universidades e institutos politécnicos, associado à exposição mediática contínua, decorrente do clima político e social que se vivia, submergiam o Ministério com questões de administração que impediam a concentração na estratégia e acções de política. 5. Quais as mudanças significativas que se verificaram durante o mandato de V. Exa.? Continuou-se a política de alargamento da oferta de Educação de Infância e a mudança da Educação Básica, através da Reorganização Curricular, de modo a responder, com bons resultados, à diversificada população que frequentava as escolas. Em relação ao Ensino Secundário, para que tinha sido longamente preparada uma Revisão Curricular, envolvendo professores e escolas, defendia-se uma mudança que conduzisse ao alargamento e diversificação da oferta, com melhoria dos resultados dos alunos. Concluiu-se a preparação de uma proposta de Rede de Ensino Secundário e iniciou-se um programa de racionalização da Rede de Educação Básica (1º ciclo) e de Ensino Secundário. A publicação, pela primeira vez, dos resultados das provas de 12º ano inseria-se numa estratégia que valorizava a transparência, a monitorização e avaliação sistemáticas das mudanças dos resultados e das instituições escolares. Esta opção traduzia-se, então, na adesão ao PISA, nas provas de aferição do Ensino Básico e nas provas de 12º ano. Preparava-se a criação de uma Comissão de Acompanhamento e Avaliação da Reorganização Curricular do Ensino Básico. No Ensino Superior lançaram-se as bases para definição clara de uma rede de ofertas diferenciadas, com a adopção de orientações da Declaração de Bolonha, a inclusão das formações curtas pós-secundárias (CET’s – cursos de especialização tecnológica) na esfera de responsabilidade das Escolas Politécnicas e mudanças no enquadramento ao governo do sistema e das instituições. Concluiu-se e iniciou-se a discussão do Estudo Estratégico para o Ensino Superior, solicitado aos Professores José Veiga Simão, Sérgio Machado dos Santos e António Almeida e Costa. Lançou-se o Plano Estratégico para a Área da Saúde, o qual visava, para além de continuar a alargar o acesso às Escolas de Medicina, mudar profundamente a oferta na área da Saúde e lançar as bases para a melhoria do ensino médico. A mudança organizacional do Ministério da Educação emergiu como uma necessidade a que decidimos atribuir grande importância porque se entendia que as mudanças estratégicas, mais profundas, não poderiam ser feitas sem se actuar nesta frente. Concluiu-se e iniciou-se a discussão interna de uma proposta de reestruturação preparada por uma equipa externa ao Ministério. 6. Que outro ou outros temas, não contemplados nas perguntas anteriores, gostaria de abordar ? Em vários momentos me referi à necessidade de as escolas serem mais acompanhadas, compreendidas e estimadas, ou amadas, como disse algumas vezes. O relatório do Pisa, de 2001, revelava como era importante olhar-se para o meio familiar em que as crianças se desenvolvem e para múltiplos factores, para além daqueles que se ligam directamente à escola. Os últimos anos, em que a desigualdade social e a pobreza continuaram a estar bem patentes nas nossas comunidades, reforçam a premência de se cuidar mais e cooperar com as escolas e os professores, bem como de acompanhar e actuar sobre os contextos de vida das crianças e sobre as relações entre as famílias e as escolas. Note-se que assumimos responsabilidades no Ministério a meio de uma legislatura e interrompemos o trabalho em resultado da convocação de eleições antecipadas. |