Secretaria-geral

Entrevista/Testemunho

1. Que imagem guarda V. Exa. da sua passagem pelo Ministério da Educação?

Tratava-se de uma época – 1978/1979 - em que a turbulência geral no País ainda não tinha acalmado. A acção de longo - prazo que, mesmo nessas circunstâncias, nunca foi perdida de vista era, frequentemente, perturbada por questões de natureza corporativa ou por iniciativas deliberadamente tomadas para afirmar posições políticas ou interesses que estavam a ser contrariados. Apesar disso, trabalhou-se afincadamente e com entusiasmo. Tive a sorte de ter Secretários de Estado excepcionais e isso, obviamente, ajudou muito. Na Secretaria de Estado do Ensino Superior e Investigação Científica estava o Prof. Eduardo Arantes e Oliveira; a Secretaria de Estado do Ensino Básico e Secundário tinha como responsável a Dra. Maria Alice Gouveia, a cuja memória quero prestar saudosa homenagem; e na Secretaria de Estado da Juventude e Desportos estava o Coronel Rodolfo Begonha. Nas tarefas administrativas trabalhava directamente comigo o Sub-Secretário de Estado Adjunto, Dr. Carlos Alberto Rosa, cujo desaparecimento precoce muito lamento e pelos trabalhos de preparação da reforma da Administração Escolar, ficou responsável o Sub-Secretário de Estado Dr. Paulo Daniel que trabalhava directamente com a Secretária de Estado.

Formávamos uma equipa coesa e entusiasta. Não havia dificuldades que conseguissem esmorecer-nos.

E, ao contrário do que alguns cá fora pensavam, havia na Administração do Ministério Directores-Gerais muito competentes, coadjuvados por numerosos funcionários sabedores e dedicados.

Fiel ao meu princípio de manter a Administração a trabalhar sem sobressaltos, não houve substituição de dirigentes, a não ser daqueles que terminaram os seus mandatos ou se reformaram.

Por outro lado, eu tinha, no Primeiro-Ministro Mota Pinto, um interlocutor sempre interessado e apoiante. Guardo das reuniões de despacho frequentes que com ele tive uma grande recordação. Partilhávamos os dois a convicção de que muito do futuro do País se jogava na Educação e isso reflectia-se, naturalmente, no apoio que ele, continuamente, me dava.

A recordação que me ficou desse período de pouco mais de oito meses é a de ter começado a semear sem ter tido tempo de ver nascer os frutos. O trabalho foi intensivo e entusiasta, podendo eu testemunhar a dedicação de muitos e a vontade que neles vi para ajudar a construir o futuro. Todavia, a Reforma do Sistema Educativo que tínhamos em mente reclamava tempo – uma legislatura, pelos menos … - e isso não nos foi dado.



2. Durante o seu mandato, qual a visão de V. Exa. para o Sistema Educativo?

Aquilo que fui dizendo em intervenções públicas, durante o período do IV Governo e depois, pode ser condensado da forma que se segue:

O Sistema Educativo deve fazer com que os jovens portugueses cheguem à vida activa: (a) pensando bem; (b) comunicando bem e (c) sabendo o seu lugar no espaço e no tempo. Como instrumentos para alcançar estes objectivos dispomos para o primeiro da Matemática ou da Lógica, para o segundo do Português e das Línguas Estrangeiras, com prioridade para o Inglês e, para o terceiro, da Geografia e da História. É evidente que há muitas outras disciplinas através das quais se transmitem conhecimentos que vão alargando horizontes ou aprofundando uma via adequada à actividade que o discente gostará de vir a desenvolver. E há, também, numerosos instrumentos didácticos que asseguram a inscrição social do jovem ou o seu desenvolvimento físico, que satisfazem as suas ambições culturais ou que garantem que ele será um cidadão ciente dos seus deveres cívicos.

Mas, sem aquelas três grandes capacidades levadas até onde os dotes do jovem o permitirem, as restantes serão exercitadas a níveis menores, quando confrontados com a obrigação que temos de assegurar que cada um chegará até onde as suas possibilidades o autorizarem.

Para alcançar aqueles propósitos precisamos de docentes bem preparados, de escolas bem geridas e de instalações dignas. Por isso assume muita importância a formação dos primeiros, a escolha de modelos eficazes de gestão e um esforço de manutenção e adequação dos espaços onde se educa. Em 1978, para fazer face à expansão do corpo discente recorreu-se, muitas vezes, a docentes que não estavam vocacionados para o exercício das suas funções. E visitei muitas escolas fisicamente degradadas. Fazia-o, sem aviso prévio, às escolas que me apontavam como estando necessitadas de obras e constatei que, na maior parte dos casos, o alerta tinha justificação.

Precisamos também de um envolvimento activo dos pais dos alunos e da comunidade onde a escola deve estar inserida e não meramente localizada. Mas a participação deve ser orientada para a melhoria das condições de operação do estabelecimento de ensino, com uma preocupação de acompanhamento dos discentes, curando da sua aplicação e da satisfação dos objectivos claramente explicitados previamente.

Em relação ao Ensino Superior, a insistência focava-se na qualidade da preparação dos alunos para o que se tornava indispensável “pacificar“ as escolas. Tinha havido, recentemente, a aprovação de um modelo de governação cujas linhas gerais ainda vigoram. Tornava-se prioritária a elaboração de um estatuto da carreira docente universitária que deixei devidamente aprovado em Conselho de Ministros mas que não foi promulgado por razões políticas ligadas à mudança do Governo.

 

3. Que reformas gostaria de ter promovido e não promoveu?

Com um mandato de tão poucos meses como sucedeu com o IV Governo Constitucional, compreende-se que eu diga que foram muitas as pontas que deixei por atar.

A primeira foi, como já disse, o estatuto da carreira docente universitária em que tanto se trabalhou e que só não deu o último passo – a promulgação – para ter entrado em vigor, o que na ocasião tão importante teria sido.

A Assembleia da República aprovou a lei que enquadra a instituição e o funcionamento das Associações de Pais. Houve, em Coimbra, uma sessão solene para assinalar o grande passo que foi dado. Começaram os trabalhos da sua regulamentação que ficaram para os Governos seguintes.

Preparei um despacho (nº 20/79 – D.R. 2ª Série – 12 de Fevereiro) para lançar a elaboração da Lei de Bases do Sistema Educativo. Houve, ainda, algumas reuniões que animei e moderei mas elas foram interrompidas.

As relações de cooperação com o Ministério do Trabalho com vista à articulação do sistema educativo com o sistema de formação profissional eram facilitadas pelo grande entendimento que havia entre os Ministros e os Secretários de Estado mas não houve tempo para fixar as formas de proceder.

Foi levada a cabo uma definição criteriosa das regras a que deveriam obedecer as construções desportivas, em articulação com as autarquias locais e com entidades privadas. Apenas se começou a assistir à sua concretização.

A consulta do Diário da República (2ª Série), ilustra o tipo de acções que foram lançadas mas que tiveram de esperar outros governos para serem concretizadas, do modo como estavam gizadas inicialmente ou de forma diversa. Entre elas refiro as medidas de descentralização e desconcentração das funções do Ministério, as relações entre universidades e as empresas ou entre as universidades portuguesas e as suas congéneres estrangeiras, os procedimentos internos ao Ministério visando a necessária coordenação de tarefas, a elaboração de estatísticas da educação, a segurança nas escolas, a definição das habilitações próprias dos docentes dos ensinos preparatórios, liceal e técnico, a concessão de bolsas de estudo, a recolha de dados para encontrar explicações sobre as razões da baixa eficácia do sistema educativo, as negociações com o Banco Mundial para a construção e equipamento de unidades oficinais e laboratoriais, a criação de lares para professores reformados e numerosas outras tarefas que ilustram bem como, em Portugal, se têm de articular as   grandes  decisões de  longo-prazo com uma série de medidas imediatas que são indispensáveis para fazer andar as coisas.

Com estes exemplos só quero justificar a afirmação de que um Governo precisa de tempo! E, especialmente, um Ministério como o da Educação em que tem de se mover uma máquina muito pesada e fixar metas de médio e longo prazo, que não podem deixar de ser ambiciosas.

Não quero, todavia, deixar de dizer uma coisa cuja importância hoje se sabe avaliar muito bem. O meu sucessor disse-me um dia que a sua acção tinha sido facilitada porque o lançamento do ano lectivo de 1979/80 estava muito criteriosamente preparado, tudo tendo decorrido sem qualquer acidente. O mérito disso ter sucedido ficou-se a dever à competência e à dedicação da Secretária de Estado Dra. Maria Alice Gouveia.



4. As reformas que na altura entendeu por bem promover depararam com que tipo de dificuldades?

Depois do que eu referi na resposta anterior compreende-se que eu diga que a principal dificuldade foi o tempo.

Havia, então, manifestações quase diárias em frente do Ministério, chamando a atenção para as mais diversas situações. Todos eram escutados por representantes do ministro. Algumas delas mereciam atenção; outras correspondiam a meras reivindicações corporativas, quase sempre relacionadas com melhorias materiais que se inscreviam num quadro mais vasto de equilíbrios macro-económicos, aos quais era preciso atender, antes de tudo o mais.

Recebi da máquina do Ministério um apoio competente. Isso foi particularmente evidente na preparação do novo estatuto da carreira docente do ensino superior mas não me esqueço do pundonor dos funcionários dos serviços gráficos, na sequência de uma fraude que teve a ver com o furto de um ponto de exame de matemática que, na ocasião, causou alguma perturbação.



5. Quais as mudanças significativas que se verificaram durante o mandato de V. Exa.?

Parece-me que foram os sinais dados em relação à perspectiva de médio-prazo com que tem de ser encarada a Educação.

A preparação da lei de bases do sistema educativo começou a mobilizar os que para ela deveriam contribuir. O relevo dado ao papel das Associações de Pais chamou a atenção para a sua responsabilidade no processo educativo. Depois dos esforços feitos por um dos meus antecessores no campo da gestão universitária, a preparação do estatuto do ensino superior universitário, amplamente participada, abriu o caminho para o apaziguamento de um sector que ainda estava muito instabilizado. A preparação firme mas serena do ano lectivo seguinte mostrou ser possível de fazer, sem dramatismos, desde que se atendesse a todas as variáveis em jogo. As pontes estabelecidas com o Ministério do Trabalho demonstraram a necessidade e a possibilidade de articulação com o sistema de formação profissional.

Mas, novamente, o tempo exíguo do Governo não permitiu sequer assistir ao despontar dos resultados a não ser o do grande esforço de organização que mostrou ser possível arrancar a tempo e sem sobressaltos com o ano lectivo seguinte, numa ocasião em que quase tudo dependia das instâncias centrais.


6. Que outro ou outros temas, não contemplados nas perguntas anteriores, gostaria de abordar ?

Tratando-se de um testemunho, o que gostaria de deixar registado é a grande importância que atribuo ao sector da Educação como forma de promover o desenvolvimento de cada um e da colectividade no seu conjunto.

Não me parece que seja útil mudar frequentemente de rumo. O sistema precisa de estabilidade e, também, do envolvimento do maior número possível de agentes: pais, autarcas, voluntários de associações locais que podem dar a mais diversa sorte de apoios, empresários, etc...

A inovação tem de ser introduzida conservando a estrutura dos valores básicos e de regras suficientemente estáveis para não alienar discentes, docentes e pais.

No ensino  superior as  ligações ao  tecido produtivo e a sistemas estrangeiros parecem-me determinantes para a inserção, no mundo e no nosso tempo, dos formandos que o frequentam.

O sistema deve preparar os jovens para sentirem, continuamente, vontade de aprender e para concretizarem um atributo que é muito português: o de se sentirem bem em Portugal e em qualquer outra parte do mundo onde possam ter de negociar, de trabalhar, de visitar ou, mesmo de viver.

voltar

Pesquisa
Área reservada