Secretaria-geral

Entrevista/Testemunho

1. Que imagem guarda V. Exa. da sua passagem pelo Ministério da Educação?

O período em que fui Ministro da Educação teve características especiais. Estava prestes a terminar o tempo de vigência da Constituição de 1976 (25 de Abril de 1976) com a entrada em vigor da primeira revisão constitucional (Lei Constitucional n° 1/82, de 30 de Setembro). A primeira revisão constitucional teve um significado profundo, designadamente no sector do ensino. O que obrigava a uma reestruturação do sistema escolar. O que, de resto, já se fazia sentir quer houvesse quer não a Revisão Constitucional.


2. Durante o seu mandato, qual a visão de V. Exa. para o Sistema Educativo?

O Sistema Educativo, pelas razões indicadas, encontrava-se num período de transição impondo-se a introdução das modificações necessárias. Modernizá-lo foi o nosso objectivo fundamental. Tinha a completa percepção que muito se poderia fazer, embora soubesse que ainda não tinha chegado o tempo para um ajustamento completo. No entanto, entendemos que era fundamental lançar as sementes da mudança para que elas frutificassem, de forma irreversível, como aconteceu

Independentemente dos condicionalismos constitucionais exigia-se a modernização do Sistema Educativo que estava muito atrasado relativamente ao existente nos Estados desenvolvidos. As estatísticas internacionais (OCDE e UNESCO) demonstravam-no claramente. Também a entrada na União Europeia (utilizando a nomenclatura actual) que se avizinhava exigiam uma reformulação completa da Educação portuguesa.


3. Que reformas gostaria de ter promovido e não promoveu?

Há duas Leis que gostaria de ter visto concretizadas, sem ignorar que tinha como impossível consegui-lo, totalmente. Refiro-me à Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) e à Lei da Autonomia das Universidades.

Quanto à LBSE - da exclusiva competência da Assembleia da República - numa primeira tentativa promovemos a discussão pública da primeira Proposta de Lei (Abril de 1980 - publicados em Março de 1981) que acompanhou a apresentação de uma Proposta de Lei do Governo à Assembleia da República (Proposta de Lei n° 315/1 - Diário da Assembleia da República de 29 de Abril de 1980). Seguiu-se uma nova versão da Proposta de LBSE (Proposta de Lei n° 366/1 de 21 de Junho de 1980) que após uma nova revisão foi de novo apresentada ao parlamento (Proposta de Lei n° 68/11 de 3 de Fevereiro de 1982). O ritmo das iniciativas legislativas é demonstrativo do desejo, que púnhamos na sua entrada em vigor. Acabou por ser aprovada a Lei de Bases do Sistema Educativo em 1986 (Lei n° 46/86 de 14 de Outubro). Embora não tivesse sido aprovada a LBSE durante a minha permanência no Ministério foram sendo publicados diplomas e disposições que seguiam as orientações contidas nas Propostas. Nem coisa diferente seria de esperar

No que se refere à Autonomia Universitária a primeira proposta de Lei do Governo data de 13 de Outubro de 1981. Foi discutida conjuntamente com os Projectos de Lei de três partidos, sendo o conjunto da Proposta e Projectos de Lei aprovados na generalidade (Diário da Assembleia da República de 8 de Janeiro de 1982). A Lei da Autonomia Universitária foi finalmente aprovada em 1988, embora contenha imperfeições, falando-se já na sua reformulação. Também neste caso publicámos ou cumprimos uma série de disposições consentâneas com as orientações da Proposta de Lei de 1981.

     
4. As reformas que na altura entendeu por bem promover depararam com que tipo de dificuldades?

Como aconteceu, acontece e acontecerá qualquer modificação significativa no Sistema Educativo depara com fortes reticências e oposições dos paradigmas e interesses instalados. O volume e a variedade das pessoas afectadas - alunos, famílias, instituições, corpos docentes, pessoal auxiliar/administrativo - é enorme. E em certas matérias até mesmo os poderes políticos As visões que cada um ou cada grupo têm do que será o mais adequado fazer são múltiplas e não raro contraditórias.
Embora todos se considerem especialistas do Sector, muitos reagem por ignorância e outros por receios fundados ou não. Reagem, de forma genérica, temendo os avanços significativos que correspondam a afastamentos do status quo. Além de que se tornou hábito remeter para a educação dificuldades e problemas que a ultrapassam, o que adiciona outras dificuldades ao normal desenvolvimento do Sistema Escolar.

Um período de cinco/seis anos não se pode considerar excessivo, para maturar, as alterações que se impõe introduzir.

     
5. Quais as mudanças significativas que se verificaram durante o mandato de V. Exa.?

Limitar-me-ei a focar os aspectos mais importantes sob o aspecto estrutural, separando os diversos níveis de ensino para uma melhor compreensão dos seus significados. E também por considerar (então e ainda agora) que o ensino superior é o motor que proporciona as modernizações educativas mais profundas e mais rápidas. É no ensino superior que se preparam os docentes do ensino não superior. Assim:


        a) No Ensino Básico e Secundário:

        Continuação de alterações já iniciadas (Desenvolvimento do número de Jardins de Infância); Criação do 12° Ano no Sistema Escolar (em substituição do Ano Propedêutico); Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo; Criação de condições para a introdução do ensino obrigatório até ao nono ano; Atribuição de compensações de despesas com manuais escolares; Inclusão do inglês no ensino básico (determinado mas não concretizado no imediato)


        b) No Ensino Superior:

        i) Modificação da Rede dos Institutos Politécnicos; Instalação de alguns Politécnicos; Publicação da carreira docente dos Politécnicos;

        ii) Medidas que - avant la lettre - permitiriam a introdução do que hoje poderemos designar por Processo de Bolonha:

        Introdução do Sistema de Unidades de Crédito; criação dos Departamentos e flexibilização dos processos de alteração curricular

        Criação da Carreira de Investigação Científica; criação de Mestrados; reestruturação do Instituto Nacional de Investigação Cientifica; criação de bibliotecas universitárias nacionais, criação dos Institutos de Estudos Graduados nas Universidades (não chegaram a ser implementados, embora, curiosamente, trinta anos passados, nos cheguem, com frequência, lamentações por ter sido desperdiçada aquela oportunidade).

        - Criação das Faculdades de Psicologia e Ciências de Educação; alteração dos Serviços Sociais do Ensino Superior
        Estando conscientes, de que muitas destas disposições pudessem não merecer fácil aprovação geral, optou-se por determinar que a sua aceitação seria voluntária e desse modo fossem sedimentadas sem grandes traumas.

        iii) Determinou-se que os Reitores das Universidades passassem a ser escolhidos pelas Universidades.

     
6. Que outro ou outros temas, não contemplados nas perguntas anteriores, gostaria de abordar ?

Foram ainda tomadas muitas outras medidas, umas enquadradas nas áreas anteriormente indicadas, embora outras as ultrapassassem. Sem serem contrárias à lógica subjacente, já referida. Uma leitura breve da legislação publicada permite uma visão da panorâmica geral.

As modificações determinantes nos Sistemas Educativos não são fáceis. Levam o seu tempo a aceitar e de forma diferenciada pelos diferentes intervenientes do Sistema. Nem são eternas. As sucessivas alterações das condições sociais obrigam a novos ajustamentos dos enquadramentos e lógica dos Sistemas Educativos.

Para facilitar a evolução natural do Sistema Educativo e ajudar à introdução dos ajustamentos necessários e alargar a possibilidade de aceitação em tempo útil criámos o Conselho Nacional de Educação (D. L n° 125/88 de 22 de Abril).

Como se diz no preâmbulo: Em matéria tão importante e delicada para o País como é a da educação, dificilmente se aceita que não haja um órgão superior onde possam ser amplamente discutidos e analisados os objectivos fundamentais do sector, órgão virado especificamente para a grande problemática da educação onde se possa efectuar a convergência de esforços de todos os que, de alguma forma, estão ligados a tal problemática e que tomam parte, com maior ou menor incidência, nos destinos da educação em Portugal.

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